O agito em torno dos temas ambientais e o espaço aberto na mídia para termos antes pouco usados - biodiversidade, ecossistemas, mudanças climáticas - acendeu uma luzinha verde na vida do empresário. Ele puxou o freio de mão na Laptops Informática e Tecnologia; fechou a empresa no auge e deu uma guinada de 180 graus: atravessou a ponte Rio-Niterói para morar em Itaipu e criou a Associação de Proteção a Ecossistemas Costeiros (APREC). Dois anos mais tarde, a ONG foi formalizada com sede em Paquetá, no endereço da pizzaria que virou ganha-pão do economista por algum tempo.
"Ao ver toda aquela discussão em torno da Rio 92 decidi: isso é o que eu quero fazer", resume. E como não queria embarcar nos temas ambientais de orelhada, voltou aos bancos de escola, mais precisamente aos bancos da faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
"Os jovens veteranos me receberam muito bem e foram logo avisando: não vamos dar trote no senhor, não". Mas Sérgio fez questão de passar pelo ritual de iniciação como todo mundo e assim conquistou vários amigos de outras gerações.
"De início, o trabalho da APREC era muito técnico. Criamos o Cultimar, que, aliás, continua até hoje como um projeto de criação de moluscos e peixes para alimentação humana, mas com base científica, estudos, avaliações", conta. A ideia de plantar mangue surgiu da necessidade de fazer frente à especulação imobiliária e à degradação no entorno da laguna de Itaipu, em Niterói.
Uma das batalhas se deu contra os donos de uma boate localizada perto da laguna, do outro lado da rua. Eles precisavam de um estacionamento para seus clientes e não acharam "nada demais" cortar a vegetação, fazer um pequeno aterro e delimitar as vagas ali mesmo, na faixa de maré antes ocupada pelo mangue. Através da APREC, Sérgio entrou com uma ação no Ministério Público e conseguiu desfazer o malfeito.
A faixa de mangue plantada em frente à boate já fechou e não dá passagem nem para carros nem para pedestres. A circulação só é livre para caranguejos, garças, mergulhões, peixinhos e camarões. Ainda tem uma ou outra casa quebrando a integridade da paisagem, mas o cinturão verde cresce e se torna mais denso a cada ano que passa.
Outra batalha foi ao longo do molhe construído com pedras bem no meio do que era para ser mangue. Sérgio e seus ajudantes em mutirão não conseguiram remover as pedras, mas plantaram mais de 22 mil mudas de mangue, de modo a permitir que a vegetação fechasse rapidamente, restaurando o ecossistema na linha de maré.
As mudas foram plantadas dos dois lados do molhe, mas coletores de caranguejos nada preocupados com a sustentabilidade arrancaram tudo do lado voltado para a baía. "Com o tempo, o próprio mangue vai se encarregando de repovoar o que foi arrancado, lançando uma muda aqui, outra ali", comemora Sérgio. "É como no resto da laguna: fizemos o plantio em alguns pontos, mas o manguezal cresceu e fechou tudo ao redor".
"As mudas vieram de outros mangues da região, foram aclimatadas na minha casa e plantadas de acordo com a tolerância à salinidade", acrescenta. O acompanhamento do crescimento das árvores e a avaliação do valor daquele mangue restaurado se transformaram na dissertação de mestrado de Sérgio de Mattos Fonseca, em Ciência Ambiental, na Universidade Federal Fluminense (UFF), com o título: "O valor de existência de um ecossistema costeiro tropical, através da disposição ao trabalho voluntário".
Depois veio um estágio de doutorado no Algarve, em Portugal, sobre a dimensão econômica dos bens e serviços ambientais. E finalmente o doutorado, concluído em 2010 na Universidade Federal de Viçosa (UFV) sobre o potencial de absorção de carbono de um ecossistema de manguezal.
Entre uma tese e outra surgiu a paixão pela educação ambiental de base comunitária. Em 1998, em parceria com o movimento Viva Rio - que é contra a violência e pelo desenvolvimento social - Sérgio montou uma escola especial nos fundos de sua casa. Ali, jovens de baixa renda combinavam a qualificação básica para o mercado de trabalho com ações comunitárias e educação para a cidadania. O Serviço Civil Voluntário, como era chamado, incluía mutirões de plantio nas comunidades. Não só de árvores de mangue, mas também bromélias e outras espécies importantes nos ecossistemas costeiros da Mata Atlântica.
"Tínhamos palestras e aulas práticas na Serra da Tiririca (atual Parque Estadual da Serra da Tiririca), na restinga de Maricá. Cheguei a ter 3 mil mudas de bromélias aqui na estufa para aclimatação antes de serem levadas para a mata, para contribuir com a restauração", lembra.
Em 2000, o rompimento de um duto da Petrobras espalhou 1,3 milhões de litros de petróleo pela Baía de Guanabara. O óleo afeta bastante as espécies de mangue e pode permanecer durante muitos anos no ecossistema atingido. Assim, como diversas outras ONGs, a Aprec logo se prontificou a cuidar de uma parte dos manguezais impactados, trabalhando em sua restauração.
Em 2002, os rumos políticos levaram ao fim do Serviço Civil Voluntário na APREC. Mas permanece o trabalho com educação ambiental, agora em cursos mais breves, mas não menos práticos. E a ONG continua de olho no desenvolvimento no mangue, na tentativa de evitar retrocessos.
O conselheiro da Colônia de Pescadores de Itaipu, Piratininga e Maricá, Otto Sobral, ressalta a importância desse mangue restaurado: "Eu sou morador da praia de Itaipu há mais de 25 anos, vivo da pesca e sei que até garoupa já se matou aqui dentro da laguna. Teve um tempo que o pessoal esqueceu a pesca, mas depois que foi feito o replantio do manguezal houve um enriquecimento do ecossistema lagunar e a pesca se intensificou novamente, principalmente a pesca de camarão".
Sobral faz um alerta, porém, em relação aos sedimentos retirados do porto do Rio de Janeiro. Em lugar de ser jogado em alto-mar, onde produziria menos impactos, todo o material retirado nas dragagens hoje é despejado entre as ilhas próximas e ameaça não só a laguna de Itaipu, como toda a pesca artesanal e as atividades de mergulho da região.
"Se você mergulhar vai encontrar a água turva, com uma camada de sedimentos em suspensão", lamenta o pescador. "De dois anos para cá, com a intensificação das obras do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) evoluiu de tal forma essa quantidade de material dragado dentro da baía e despejado aqui por perto, que vem causando grande impacto, sobretudo na pesca artesanal. O pescador coloca a rede na água num dia e passa o resto da semana limpando o lodo e o lixo. Hoje se pesca mais lixo do que peixe por aqui, peixe se tornou coisa rara".
Enquanto eu finalizo as fotos do alto de uma duna de areia, Sérgio e Otto esboçam estratégias para afastar a ameaça e garantir vida longa ao cinturão de mangue. Falam em dragar o canal de conexão da laguna com o mar e discutem meios de chamar a atenção para os impactos dos sedimentos na água. Sabem o que os espera. Ainda assim não pretendem fugir à briga.
Basta um olhar para a laguna cercada de verde, lá embaixo, para saber que estão certos em sua teimosia.
Fonte: National Geografic BR
0 comentários:
Postar um comentário