Jefferson Lima dedica-se ao projeto Café com Floresta, da ONG Ipê, no Pontal do Paranapanema, onde estimula a plantantação de espécies nativas nos cafezais |
Na caminhonete há uma coleção de sacos e sacolinhas, bem amarrados para não deixar escapar o precioso conteúdo. O geógrafo e técnico em agropecuária Jefferson Lima nunca volta com a mesma carga da ida. Também nunca chega ou sai de mãos abanando. Quando faz suas visitas aos assentados do Pontal do Paranapanema, no extremo oeste do Estado de São Paulo, ele é um autêntico dispersor de sementes e de mudas, um extensionista rural como poucos, integrante da equipe do Instituto de Pesquisas Ecológicas, Ipê.
Não por acaso, vários dos assentados com os quais ele trabalha o chamam de professor. Enquanto distribui suas sementes e promove trocas entre agricultores, ele vai semeando ideias, dando uma sugestão aqui; ressaltando a importância da diversidade de culturas ali; chamando a atenção para os cuidados que mantêm viva a fertilidade do solo; as formas de controlar pragas e doenças de maneira natural, sem químicos, e outros muitos princípios da agroecologia.
A base é de troca, sempre: Jefferson pede umas bananeiras boas de produção ao seu Eziel para levar para dona Amélia; tira uns frutos de jaracatiá do quintal da dona Amélia para reproduzir no viveiro; leva um punhado de sementes de milho de pipoca da dona Teresa para José Santiago. Assim vai estreitando os laços entre vizinhos e tecendo a malha da agrofloresta familiar.
No viveiro, tubetes são usados para cultivar as mudas e reaproveitados várias vezes, ao invés de virarem lixo no local de plantio. |
Jefferson Lima, da ONG Ipê, enrola o "rocambole" de plantas, que pode ter até 50 mudas, todas prontas para o plantio. |
Uma parte das sementes e mudas é de culturas anuais ou perenes, alimentos para os assentados garantirem mesa farta em casa e algum excedente para vender. A contrapartida que ele pede é o plantio de árvores nativas, para formar bosques e recompor a vegetação de uma região com sérios problemas fundiários, agravados a partir dos anos 1940. Nas disputas entre fazendeiros, grileiros, sem-terras e governo, ali no Pontal, o maior perdedor sempre foi o meio ambiente: queimadas, incêndios criminosos e desmatamentos costumavam ser vistos como maneiras de garantir a posse da terra. A ponto de só restarem florestas primárias dentro dos limites estritos do Parque Estadual Morro do Diabo, além de alguns poucos fragmentos florestais esparsos, em fazendas de gado.
Essa dinâmica perdurou até o início dos anos 1990. Então foi criada a organização não-governamental Ipê, com o objetivo de trabalhar a conservação da biodiversidade e a ecologia da paisagem por meio do fortalecimento social e econômico das comunidades locais. Entre as diversas estratégias para alcançar essas metas, a equipe do Ipê conseguiu a proeza de convencer assentados a dedicar pelo menos um hectare de cada lote ao plantio de árvores nativas. Parece pouco para a necessidade da região, mas é bastante para quem tem um lote de apenas 15 a 25 hectares.
O trabalho começou com Laury Cullen Júnior, com os chamados bosques-trampolim, o primeiro passo para implantar corredores de biodiversidade, que promovem a conexão do parque com os fragmentos florestais em terras privadas. Os bosques facilitam a passagem de animais e conservam a saúde genética da fauna silvestre. Jefferson veio em seguida, em 1996, e implantou o sistema Café com Floresta, ou seja, café sombreado por árvores nativas nos lotes de assentamentos. O agricultor ganha com o café, de excelente qualidade; a fauna ganha alimento e abrigo e a paisagem fica mais verde, protegendo a água e o solo.
Aos poucos, a paisagem do Morro do Diabo se modifica, com muito mais verde e mais vida. |
Nascido em Porecatu, no Paraná, em 1971, Jefferson teve uma infância de cidade pequena, pontuada por bons contadores de histórias, aventuras no mato e pescarias no rio. Com a passagem pelo colégio agrícola, o trabalho como técnico agrícola da Emater-PR e o envolvimento com o movimento dos sem-terra acabou definitivamente atado à vida rural.
Mesmo agora, em vias de terminar seu doutorado, Jefferson nem pensa em cidade grande. O que ele gosta mesmo é de rodar pelas estradas vicinais na caminhonete e usar a cabeça para encontrar meios e mecanismos de plantar mais árvores, buscar resultados práticos e sustentáveis, tanto nos aspectos ambientais, como econômicos, culturais e sociais e sobretudo familiares. Uma de suas ferramentas, por exemplo, é o "rocambole de mudas", adotado no transporte das futuras árvores para os assentamentos. Em lugar de levar as mudas em bandejas, dentro dos tubetes onde elas são plantadas - o que exigiria um caminhão - Jefferson retira as mudas dos recipientes, alinha até 50 delas sobre um saco plástico e vai enrolando como um rocambole. Com isso, consegue carregar centenas em uma só viagem!
O "rocambole" mantém a umidade das mudas; possibilita a mistura de espécies diferentes (recomendada para o plantio) e facilita o reaproveitamento dos tubetes, evitando que se transformem em lixo no campo. "A ideia não é minha, só aproveitei", faz questão de frisar. Mas todos por ali chamam aquilo de "rocambole do Jefferson". E de rolinho em rolinho, já se foram pelo menos uns dois milhões de mudas de árvores nativas para os assentados!
Jefferson trabalha diretamente com 90 famílias, em diferentes assentamentos, das 140 famílias assistidas pelo Ipê. Além de espalhar os princípios da agroecologia, não descuida do maior problema das propriedades familiares: o êxodo dos jovens para as cidades. Sempre que pode, ele envolve os jovens filhos de assentados no trabalho, seja incentivando a plantar seu próprio cantinho de horta, milho crioulo ou café com floresta, seja acolhendo os mais interessados como monitores, seja levando materiais de estudo, livros, fotos, vídeos e o que mais passar por suas mãos. "Fico orgulhoso quando vejo alguém crescendo, fazendo esse trabalho, um jovem que se dedica ao viveiro, uma jovem que pede aos pais um pedaço de terra para plantar. Quando isso vira cultura popular não tem mais importância como começou, quem originou: a ideia está semeada", diz.
Ele volta a falar com entusiasmo de sua filosofia de trabalho: "A palavra mais importante na agroecologia é depende: depende do solo, depende do clima, depende do agricultor. E a base é a troca de sementes. Sempre que temos uma reunião, convido todos a trazerem suas sementes, principalmente as mulheres. Na hora do café, fazemos as trocas", conta. "A troca garante a diversidade genética e essa diversidade é fundamental para a transição da agricultura convencional para a agroecológica. Os agricultores têm um papel importante no transporte dos genes, o que torna a produção mais sustentável e favorece a biodiversidade."
Na verdade, é fácil notar que Jefferson não cuida apenas do plantio de árvores e das culturas. Em suas visitas aos assentados ele também dá receitas de adubação, é médico do solo, conselheiro familiar, advogado de causas diversas, mecânico de veículos e implementos agrícolas, técnico de TV e o que mais precisar de uma mãozinha. Tudo com a mesma dedicação e com uma vontade de aprender tão grande quanto a de ensinar. O resultado de seu trabalho transparece na maneira como é recebido pelos assentados e aparece na paisagem do Pontal.
Fonte: National Geografic Brasil
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