Nem mesmo a altitude protege o gelo dos Andes, cujo derretimento pode comprometer o abastecimento de água de vilarejos e cidades
A agricultura nos Andes pode ir ao colapso sem a água das geleiras dos Andes Martin Mejia/AP/28-5-2007 |
Entre os países que mais deverão sofrer com as mudanças climáticas na América do Sul, destaque para o Peru. O aquecimento global começa a reduzir as geleiras dos Andes peruanos e isto deverá comprometer o abastecimento de água de vilarejos e cidades, de acordo com o coordenador dos cursos de pós-graduação de gestão ambiental da Escola Politécnica da UFRJ, Haroldo Mattos de Lemos.
Já não há mais tanto gelo dos Andes para derreter, algumas vilas andinas do Peru enfrentam dificuldades de obter água. Se o problema continuar neste ritmo, as pessoas vão ter que se mudar. Este será um dos primeiros problemas ambientais a provocar migrações em larga escala — diz Mattos de Lemos . — Chuvas mais intensas, secas prolongadas, tornados, furacões vão ficar mais frequentes num futuro próximo. Quando isto acontecer, teremos problemas sérios.
Especialistas também citam a Colômbia, a Bolívia, o Equador e a Guiana, além do Peru e do Haiti, como exemplos de países cujos problemas ambientais agravarão movimentos migratórios.
Nem altitude protege mais o gelo dos Andes
Uma das mais majestosas geleiras andinas terá este ano seu fluxo de água de degelo reduzido em 30%. Essa é a previsão de cientistas para a espetacular Cordilheira Branca, no Peru, cujos cumes de numerosas montanhas facilmente ultrapassam os 5 mil metros de altura. Mas nem a grande altitude é capaz de frear o ritmo do aquecimento da temperatura, que faz nevar menos e aumenta o degelo. Segundo uma pesquisa liderada por Michel Baraer, da Universidade McGill, do Canadá — que contou com a participação de especialistas americanos e peruanos e foi publicada há duas semanas na revista “Journal of Glaciology” —, as geleiras que alimentam o Rio Santa, por exemplo, já são pequenas demais para manter o fluxo hídrico.
-As regiões da América Latina que têm uso intensivo de água de geleiras estão entre as mais vulneráveis. — diz Baraer. — Mesmo que as emissões de gases-estufa parem no mundo inteiro, muitas geleiras continuariam retraídas por um tempo.
As geleiras da Patagônia, na Argentina e em parte do Chile, derretem mais rapidamente do que as de qualquer outra parte do planeta, de acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Na Bolívia e no Equador a retração do gelo do cume dos Andes acelerou nos últimos 20 anos.
O climatologista José Marengo, do CPTEC/Inpe, ressalta que é difícil estimar com precisão quando os eventos climáticos provocarão migrações em larga escala. Mas considera o derretimento de gelo nos Andes como um caso crítico.
— Os estudos indicam o aumento da temperatura média na região andina. Isso reduz as geleiras. Num primeiro momento, aumenta o degelo e há mais água. Mas depois passa a haver menos gelo e, consequentemente, menos água. Algumas estimativas indicam que em 2025 faltará gelo em várias partes dos Andes. E em certas regiões dos Andes tropicais o gelo desaparecerá totalmente — afirma Marengo. — Sem água, habitantes das áreas montanhosas deverão migrar.
A água do degelo sazonal é importante não só para o consumo e as hidroelétricas. Ela também ameaça a biodiversidade de alimentos. No Peru, por exemplo, há centenas de variedades nativas de batatas, todas vulneráveis.
— Parte dos Andes pode virar deserto sem as geleiras — diz Mattos de Lemos.
O Brasil não está livre dos problemas ambientais que causarão migrações. As secas já castigaram extensas áreas do Rio Grande do Sul. A Amazônia também pode sofrer com a instabilidade do regime de chuvas. A falta de chuvas agravará as condições de vida na Região Nordeste, preveem estudos.
— A Amazônia deverá ter menos chuvas. Tivemos duas secas recentemente como sinais das mudanças climáticas. A floresta se tornaria um cerrado — analisa Lemos. — No Sul, há um pequeno deserto se formando na região de Alegrete.
Especialista em migração agravada por questões climáticas, Fernando Malta ressalta que a movimentação de pessoas já acontece. Ele cita casos em Brasil, Peru e Venezuela, em locais em que populações ribeirinhas são obrigadas a se deslocar para fugir de secas ou inundações.
— Há poucos dados científicos sobre migrações — reclama Malta.
Além de enfrentar as catástrofes naturais, que forçaram o abandono do local de origem, e de não encontrar apoio dos governos de seus países, os migrantes ambientais acabam caindo em um vazio jurídico internacional. Os tratados assinados para proteger refugiados prevê apenas cinco causas de perseguição, seja ela política, cultural ou religiosa, entre outras. Porém, não estão listadas as razões climáticas.
Autora do livro "Para entender o direito internacional dos refugiado: análise crítica do conceito refugiado ambiental" (Del Rey, 2009), a professora Luciana Diniz, do Centro Universitário UNA e da Fumec, de Belo Horizonte, defende a criação de um protocolo que trate do tema.
— É preciso criar a obrigação de proteger as pessoas que se deslocam por causa de problemas ambientais. O problema seria como definir estes desastres: o refúgio terá que ser dado somente quando o local de origem for completamente devastado? — questiona Luciana.
Receber um grande contingente de imigrantes pode ser um problema para o país que abriga estas pessoas. Há competição pelos postos de trabalho e custos sociais. Ao limitar o número de vistos concedidos aos haitianos, o Brasil divide especialistas.
— Para cada migrante legal, haverá outros mil ilegais — critica Malta. — Temos que agir com mais rigor nas fronteiras.
Professor titular de Relações Internacionais da UNB, Eduardo Viola diz que o Brasil tende a ser receptor de refugiados da África e Américas do Sul e Central:
— O Brasil é um país de renda média e menos hostil para imigrantes do que as nações europeias. Onda a renda é maior, o controle também é mais rigoroso. Já o climatologista Carlos Nobre, à frente da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa Desenvolvimento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, defende uma postura mais humanitária.
— O Brasil pode ser um país diferente. Temos que rediscutir o conceito de fronteira, sobretudo quando ela vira um muro, uma barreira, como nos Estados Unidos ou em Israel. Não é possível imaginar o desenvolvimento humano com muros concretos ou virtuais — comenta Nobre. — As trajetórias sustentáveis têm que levar em consideração o movimento migratório, sem que ele seja uma ameaça global à qualidade de vida, mas sendo entendido de uma maneira mais ampla.
O pesquisador acredita que a Rio+20 será palco da criação de um novo modelo de desenvolvimento, que seja socialmente justo, e no qual as fronteiras não serão intransponíveis. Mais do que enfrentar o problema das migrações motivadas por problemas ambientais, Nobre espera que a conferência da ONU no Rio de Janeiro seja um instrumento para garantir os direitos humanos.
Fonte: O Globo
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