Governo identifica quase 20 milhões de hectares de matas na Amazônia que podem ser destinadas à exploração controlada
Concessão prevê, entre outras regras, que apenas árvores de grande espessura poderão ser derrubadas |
Um relatório elaborado pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, identificou 64 milhões de hectares na Amazônia que não têm qualquer destinação. Uma parte dessa área, 9,6 milhões de hectares, é formada por florestas públicas federais que poderiam ser concedidas à iniciativa privada para exploração sustentável de madeira. O relatório calcula que essa área se somaria a outras florestas federais e estaduais e reservas extrativistas igualmente com potencial para formar uma massa verde de quase 20 milhões de hectares (pouco mais da metade do território da Alemanha).
De acordo com o SFB, nos próximos anos o Brasil corre o risco de sofrer um “apagão” no mercado de madeira de lei. A demanda futura do material foi calculada em 21 milhões de m³ por ano, mas a produção privada, fora das áreas públicas e que hoje abastece o mercado, está estagnada em 10 milhões de m³ e deve cair pela metade em duas décadas. O levantamento aponta que as áreas públicas disponíveis hoje poderiam chegar a uma produtividade de 12 milhões de m³.
Para os defensores deste modelo, fazer concessões para a exploração nesses locais ajudaria na produção madeireira do país e também na conservação. Segundo eles, quando se atribui às florestas um valor econômico, a preservação é fortalecida via manejo sustentável.
O Brasil tem a maior extensão de floresta tropical contínua do mundo. A produção madeireira do país hoje é de 15 milhões de m³, porém vem decaindo em função das ações de fiscalização. Estima-se que 36% da produção atual seja ilegal. A maior parte é destinada ao consumidor final (38%), construção civil (16%) e indústria (15%). Frear o desmatamento significaria deixar de emitir 1,5 bilhão de toneladas de CO2 até 2020.
Análise
Diretora de fomento e inclusão florestal do Serviço Florestal Brasileiro, Claudia Azevedo Ramos explica que em um hectare há em média 600 árvores. Com o manejo sustentável, apenas três ou quatro árvores são retiradas. “Ao fazer uma concessão, a floresta tem um limite virtual. Se não for utilizada, não tem ninguém tomando conta”, diz. Sobre os possíveis impactos em comunidades tradicionais, Claudia afirma que é feita uma ressalva nos contratos garantindo os direitos de exploração e subsistência dessas populações.
Presidente do Grupo de Trabalho Amazônico, Rubens Gomes afirma que sem as concessões seria necessário colocar um policial para proteger cada árvore da Amazônia. “Floresta manejada é floresta cuidada.” A ideia defendida por ele é que, além da política de controle, é preciso haver uma política de uso.
Professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa, Carlos Antônio Álvares Soares Ribeiro vê com ressalvas a proposta e argumenta que o Brasil conhece pouco a dinâmica desses ecossistemas e não sabe calcular os impactos. “Às vezes deixamos passar outros valores que as florestas possuem. A biodiversidade e potencial de fármacos ultrapassam o valor da madeira.” Segundo ele, o desafio é encontrar uma forma de se apropriar da floresta e garantir a preservação. “É temerário que um governo que não investiu na exploração e conhecimento destes ecossistemas, vá liberá-los para a exploração comercial.”
Prós e contras
Veja as vantagens e desvantagens da concessão de florestas públicas à iniciativa privada:
Prós
- A concessão de matas sem destinação inibe a ação de grileiros de terra e o desmatamento ilegal. Com a manutenção das florestas, há uma queda significativa nas emissões de carbono.
- O governo federal não consegue fiscalizar toda esta área, mesmo com o auxílio de imagens por satélite e outros tipos de fiscalização eletrônica. Concedidas, elas passariam a ser vigiadas.
- O Brasil tem uma extensão de floresta que ainda não foi incorporada em uma economia sustentável. O modelo de concessões já deu certo em outros países.
Contras
- O bioma de florestas tropicais ainda não foi plenamente estudado, por isso não é possível prever quais as consequências da exploração. Esses biomas têm um equilíbrio muito frágil, que pode ser quebrado facilmente.
- Um dos exemplos é a retirada somente de árvores que têm alto valor comercial. Há outras espécies da fauna e da flora que dependem destas árvores e não se sabe como a floresta continuará “viva” sem todos estes elementos.
- As florestas podem gerar outros produtos com um valor comercial muito maior e com menor impacto do que a exploração madeireira. Um exemplo são as pesquisas com fármacos que levam à descoberta de novos medicamentos.
- Muitas destas áreas sem destinação pelo governo federal podem estar ocupadas por populações tradicionais, que não têm a posse “legal” da terra, mas habitam estas regiões há décadas. Elas dependem da floresta para subsistência e podem ser impactadas de forma negativa com as concessões.
- Ao invés de alimentar a demanda por madeira, poderia haver investimento em pesquisas para encontrar substitutos a este produto. Há duas décadas, por exemplo, os móveis eram feitos de madeira maciça e hoje são feitos de MDF, que usa somente fibras de madeira.
- A fiscalização das concessões ficaria sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e dos governos estaduais. Com o modelo atual desses órgãos, não haveria estrutura para a fiscalização que as concessões demandam.
Fonte: Claudia Azevedo Ramos, diretora de fomento e inclusão florestal do Serviço Florestal Brasileiro; Carlos Antonio Álvares Soares Ribeiro, professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa; Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico e Carlos Sanquetta, professor de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná.
Fonte: Gazeta do Povo
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