O grande desafio ambiental deste século será frear o aquecimento global que já está provocando alterações no clima do planeta. Aqui você vai conhecer como funciona esse mecanismo, suas causas, consequências e possíveis soluções
Fonte: Horizonte Geográfico |
As enchentes nas grandes cidades, como em São Paulo, podem se tornar mais frequentes.
Efeito estufa, aquecimento global e mudanças climáticas são expressões que estão cada vez mais incorporadas ao vocabulário daqueles que se interessam pelo futuro da Terra.
O efeito estufa é um fenômeno natural de importância fundamental à existência de vida no planeta. Ele é provocado principalmente por três gases que existem na atmosfera – a maior parte é o dióxido de carbono (CO2), depois há o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), que formam uma espécie de filme de plástico sobre o planeta. Como uma estufa mesmo, que permite a entrada da luz do Sol e impede a dissipação do calor. Não fosse por esse mecanismo, a vida na Terra não seria possível, pois é ele que garante a temperatura do planeta numa média de 15 graus, adequada à existência de água líquida e dos seres vivos. Sem o efeito estufa, a temperatura aqui seria semelhante à da Lua, com média de 18 graus negativos!
É fácil perceber que ao aumentarmos a emissão desses gases estamos também aumentando o mecanismo de efeito estufa. Em outras palavras, estamos promovendo o aquecimento global. Isso já está acontecendo. Segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança no Clima (IPCC), que reúne 2500 cientistas de mais de 130 países, a média global da temperatura aumentou, no século passado, 0,7 grau. Pode parecer pouco para constituir uma ameaça, mas não é, porque se trata de uma média. Ou seja, em alguns locais houve aumentos de temperatura muito maiores do que em outros, com consequências localizadas – como, por exemplo, o degelo acentuado nos polos do planeta ou dos picos das montanhas mais altas.
Esse aumento da temperatura média provoca o que passou a se chamar de “mudanças climáticas”. Isso significa, segundo os pesquisadores, que teremos mais situações extremas – como o aumento de furacões, o recrudescimento de inundações e mais secas.
O efeito estufa provoca o aquecimento global, que, por sua vez, leva às mudanças climáticas fazendo parte de um ciclo de causas e consequências que pode ficar mais grave à medida que a origem de tudo – a emissão dos gases de efeito estufa – continue crescendo. Impedir esse aumento de emissões para minimizar os danos exige, da mesma forma, novos comportamentos, novos formas de produção e um novo conceito de desenvolvimento: o sustentável.
Consequências que estão por vir
O aquecimento global irá gerar mudanças em regiões remotas, mas também preocupam os efeitos que serão sentidos nos centros urbanos
Em 2007, o IPCC confirmou a tese de que o planeta não apenas está mais quente, mas também que a causa desse aquecimento tem relação direta com a atividade humana. Um estudo demonstrou que o aumento da temperatura do planeta “coincide” com o aumento da emissão de gás carbônico (veja gráfico abaixo).
Quando pensamos nas causas desse fenômeno é inevitável uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento adotado, principalmente a partir da Revolução Industrial no século 19, baseado na produção a qualquer preço, na energia gerada pelos combustíveis fósseis, no avanço da agricultura e dos aglomerados urbanos sobre a natureza e na tecnologia atrelada a essas atividades. O aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas têm causas sistêmicas, em que atuam diversos fatores entrelaçados – e que estão intimamente ligados à maneira com que a economia global vem se desenvolvendo nas últimas décadas.
Fábio Feldmann, ambientalista e secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais, acredita que a questão já faz parte da agenda da política internacional por meio da discussão de uma mudança da matriz energética “em direção a fontes de energia renovável e limpa, redução do desmatamento e da emissão de gases dos aterros sanitários”. Mas isso não basta. Segundo ele, é preciso pensar já nas consequências dessas mudanças climáticas. Apesar de a discussão girar sempre sobre o desaparecimento de ilhas rasas nos oceanos, as secas prolongadas em regiões semiáridas ou a savanização das florestas, é também essencial avaliar os impactos sobre as populações. “Os maiores efeitos serão vistos nas grandes cidades”, diz ele dando como exemplo desses efeitos, o aumento da intensidade das chuvas, dos deslizamentos e das enchentes nas áreas urbanas.
As ações destinadas a enfrentar o problema não devem ser, portanto, apenas medidas para combatê-lo – ou seja, relacionadas à redução da liberação de gases ou do desmatamento –, mas também as chamadas medidas de adaptação, que representam alterações nas estruturas da cidade e do campo para suportar as alterações do clima.
Desmatamento: o papel do Brasil
Cabe aos brasileiros encontrar meios de explorar a floresta amazônica sem agravar o aquecimento global
O desmatamento tem um papel fundamental no processo de aquecimento global e de mudanças climáticas. O problema não é devido à suposta menor produção de oxigênio provocada pela redução da mata, como muitos acreditam, mas, sim, pelo gás carbônico liberado pela queima das florestas.
É o que explica Roberto Waack, presidente da empresa de gestão ambiental Amata e membro da comissão internacional do FSC (siga em inglês para Conselho de Manejo Florestal). Segundo ele, as florestas armazenam no solo e na estrutura celular o gás carbônico que absorvem da atmosfera. Quando ocorre o desflorestamento, tanto pela queima como pela derrubada das árvores, esse gás armazenado é liberado para a atmosfera, agravando o processo de efeito estufa. A questão atinge principalmente os países em desenvolvimento porque são os que ainda preservam áreas grandes de florestas. E o Brasil é o que tem a maior floresta do mundo.
Por causa do processo de ocupação e desenvolvimento da Amazônia, executado sem planejamento e atenção às causas do aquecimento global, a floresta vem dando lugar a pastos e áreas agrícolas e, assim, liberando gás carbônico na atmosfera – e é por isso que o Brasil é o país que ocupa o quinto lugar como maior emissor mundial de gases de efeito estufa e o desmatamento é responsável por mais da metade dessas emissões. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, 3% das emissões globais de CO2 são oriundas da destruição das florestas brasileiras.
Soma-se a esses dados o fato de que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), 10% do total mundial de áreas florestadas estão no Brasil. São 4,8 milhões de km², o equivalente a 19 estados de São Paulo. “É preciso encontrar formas de manter as florestas em pé”, considera Waack, “elas são essenciais não só pela questão do carbono, mas também para o clima, por interferir no ciclo de chuvas, entre outras coisas.” Para Waack, é preciso agir em duas frentes para se evitar o desmatamento: de um lado, investindo em inovação e tecnologia. E, por outro, criando formas que recompensam financeiramente aqueles que preservam a floresta, ainda que exerçam atividades econômicas ligadas a ela. Por exemplo, por meio da certificação da madeira, pela qual se garante que o produto foi extraído da floresta com um mínimo de impacto ambiental. Madeiras certificadas alcançam valores de mercado bem mais altos do que aquelas que não o são, induzindo um ciclo de produção de mais qualidade e menos agressão ao meio ambiente.
A necessidade de se agir imediatamente na proteção das áreas florestadas brasileiras está comprovada em uma projeção feita pela consultoria internacional McKinsey & Company, no estudo Caminhos Para Uma Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil. A pesquisa, que analisou um cenário comparativo entre a situação atual e o ano de 2030, indicou que 85% do potencial brasileiro de redução nas emissões de gases de efeito estufa está ligado à diminuição dos desmatamentos e à reestruturação dos setores de pecuária e de agricultura. O Brasil aparece ainda entre os países com maior potencial para a redução dessas emissões, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia.
Um primeiro passo foi a fixação de uma meta para a preservação das florestas no Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas, documento divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2008 e que detalha as áreas estratégicas para a redução da emissão de gases de efeito estufa no país. No compromisso, assumido pelo governo, está prevista a redução, a cada cinco anos, de 42% da área total desmatada até 2020.
Um modelo em questão
O desenvolvimento da humanidade apoia-se no consumo de petróleo e carvão mineral, os principais responsáveis pelo aquecimento global
O carvão mineral, a partir do século 19, e o petróleo, a partir do século 20, foram os principais combustíveis que moveram as máquinas das indústrias e os veículos automotores, responsáveis pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado desde a Revolução Industrial e que dura até hoje Um modelo cujo preço está sendo pago agora. O relatório do IPCC deu uma dimensão mais exata do problema, mostrando que cerca de 60% das emissões de gases que contribuem para o agravamento do efeito estufa são provenientes da queima de combustíveis fósseis – tanto o carvão mineral como o petróleo e seus subprodutos. Segundo Arnaldo Walter, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cerca de 80% da energia elétrica do mundo e quase a totalidade dos combustíveis usados no transporte têm origem fóssil.
Mudar esse cenário, na análise de Walter, é um processo delicado. Além de requerer tempo e recursos financeiros, envolve boa vontade política dos países envolvidos, pois requer mudanças estratégicas nos modelos energéticos nacionais. “Primeiro há de se considerar todo o estoque de equipamentos existentes. Segundo, há de se ter em conta os custos relativos. Terceiro, há de se considerar o estágio de desenvolvimento das tecnologias. Quarto, os interesses econômicos em jogo. Quinto, que o uso de qualquer fonte de energia tem impactos ambientais associados”, sintetiza.
Todavia, isso não significa que seja impossível enfrentar o problema. Já há, inclusive, clareza sobre as principais medidas que devem ser tomadas para reduzir o impacto da queima de combustíveis fósseis sobre o efeito estufa. É preciso que haja a diversificação das matrizes energéticas, o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes na conversão e no uso de energia e a redução do consumo. “Se não fosse preciso gerar parte da eletricidade que é consumida, melhor”, diz Walter.
A solução para o transporte
Além de grandes emissores de gás carbônico, a mobilidade dos automóveis já não é mais a mesma. É hora de explorar alternativas
Omodelo de desenvolvimento calcado no transporte rodoviário foi a opção que a maioria dos países adotou no último século. Lester Brown, referência mundial na área ambiental, fundador e presidente do Earth Policy Institute – organização americana que trabalha a sustentabilidade para o desenvolvimento econômico –, prevê o colapso desse modelo. Para Brown, situações como a dos Estados Unidos, na qual há três carros para cada quatro pessoas, em breve se tornarão inviáveis. A tendência de migração das zonas rurais para centros urbanos exige sistemas de transporte adaptados a essa nova demanda populacional. Brown ironiza que, se os automóveis nasceram tendo como promessa a mobilidade, hoje eles promovem a imobilidade, simbolizada pelas centenas de quilômetros de congestionamentos vistos todos os dias nas maiores cidades do mundo.
Mas, mais que o incômodo do trânsito, a queima de gasolina e diesel – ambos produtos derivados do petróleo – nos motores de carros e caminhões é fonte de parte considerável das emissões de CO2. Um exemplo extremo são os Estados Unidos, maior emissor do mundo de gases que agravam o efeito estufa e onde os transportes são o segundo setor que mais emite, com 28%, ficando apenas um pouco atrás do setor de geração de energia elétrica, com 33%.
Entretanto, já há pelo mundo soluções que têm se mostrado eficientes para a redução da dependência de combustíveis fósseis para o transporte. Uma delas são os trens-bala europeus e japoneses, que, além de atrair centenas de passageiros pela rapidez das viagens, têm emissões bem mais baixas de CO2 que outros meios de transporte.
Segundo Brown, elas chegam a ser um terço menores que a dos carros e um quarto inferiores à dos aviões. E podem chegar a zero, caso a eletricidade usada para se colocar os trens em movimento venha de fontes limpas e renováveis – o que ainda não é uma realidade na União Europeia.
No Brasil, o etanol, usado como combustível de veículos, e o bagaço da cana, para a geração de eletricidade, já são responsáveis por 16% de toda a energia consumida no país. O Proálcool (Programa Brasileiro de Álcool), na década de 70, obrigou o acréscimo de álcool à gasolina. O percentual da mistura variou ao longo dos anos e, atualmente, a gasolina brasileira recebe de 20% a 25% de etanol. Assim, de 1970 a 2007, o Ministério de Minas e Energia calcula que 854 milhões de barris de petróleo tenham sido substituídos por etanol, evitando-se a descarga de 800 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Mais recentemente surgiram novos modelos no Brasil, como o da utilização da biomassa nas usinas de produção de açúcar e do etanol: os quilowatts produzidos pelo bagaço da cana-de-açúcar são suficiente para atender à demanda energética das próprias usinas. Segundo Luiz Fernando Amaral, assessor de meio ambiente da Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) “cerca de 3% da energia elétrica no Brasil é produzida a partir da cana”.
Novos caminhos para a eletricidade
Fontes pouco exploradas de produção de eletricidade devem receber grandes investimentos a partir de agora, como a força dos ventos e a solar
Para quem vive no Brasil, onde 88,7% da energia elétrica vem de fontes renováveis, pode parecer estranho que grande parte do mundo dependa de combustíveis fósseis para gerá-la. Mas, como analisa Arnaldo Walter, da Unicamp, o país é um caso atípico, por ter um potencial hidrelétrico em que quase 70% da capacidade ainda não é aproveitada e por possuir condições favoráveis para a produção de biomassa – como a lenha e o bagaço da cana. O mesmo não acontece, por exemplo, com a China, principal economia mundial em expansão, segunda maior emissora de gases de efeito estufa do globo e cuja matriz energética vem, em grande parte, da queima de carvão mineral.
Lá, as emissões de gases de efeito estufa estão associadas, primordialmente, à produção e ao consumo de energia elétrica, com o carvão mineral respondendo por 80% das emissões chinesas de CO2. Os métodos antiquados para a produção de eletricidade intensificam as chuvas ácidas e a poluição do solo e dos rios. Para reverter a situação chinesa, de acordo com Walter, é necessário aumentar a eficiência na geração, na transmissão e no uso final da eletricidade, além de diversificar sua matriz de geração elétrica.
De forma geral, a diversificação das fontes de energia é apontada como medida essencial para os governos nacionais, com potenciais ainda pouco explorados, como a geração de eletricidade pelo vento ou por pequenas centrais hidrelétricas.
O uso do solo também produz gases
A agricultura e a pecuária contribuem para o aquecimento global e exigem novas tecnologias para reduzir esse processo
Não é apenas quando o homem desmata áreas verdes que há emissões de gases de efeito estufa. O cultivo de plantações ou as criações de gado também contribuem para o aquecimento global. Como explica o professor Luiz Claudio Costa, Ph.D. em agrometeorologia e reitor da Universidade Federal de Viçosa, a agricultura é responsável por cerca de 30% das emissões de gases de efeito estufa no mundo. Mas, ao contrário de outros agentes das alterações no clima –que contribuem principalmente com gás carbônico –, o vilão da atividade são o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). O primeiro, liberado pelas áreas alagadas para a produção de arroz, pelo processo de digestão da celulose dos ruminantes e pela decomposição do esterco. O segundo, presente nos fertilizantes nitrogenados, muito usados na agricultura.
Uma das soluções para a redução dos gases emitidos pelo uso do solo é o chamado plantio direto. O modelo já vem sendo desenvolvido no Brasil desde a década de 70, principalmente por agricultores do sul do país, no cultivo de grãos. Nessa forma de plantio, parte da matéria verde da planta – como restos de folhas e a palha – são deixados no campo após a colheita. Essa nova camada de matéria orgânica, mais exterior, diminui a necessidade de se revirar o solo. Além disso, como explica Costa, “reduz a erosão, melhora as condições físicas e de fertilidade do solo, aumenta o teor de nutrientes e de água armazenados e diminui o consumo de combustíveis com a manutenção da produtividade das culturas”.
Entretanto, Ângelo Gurgel, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, da USP, ressalta a importância de se associar o uso do solo com o desflorestamento ao se avaliar o problema do aumento das emissões de gases. Isso porque a abertura de novas áreas agrícolas é uma das principais causas do desmatamento. Como aponta Gurgel, evitar o corte de áreas florestadas passa por um melhor aproveitamento dos terrenos já usados para o plantio e a criação de gado. Segundo o IBGE, atualmente quase metade dos 354 milhões de hectares agricultáveis brasileiros são ocupados por pastos. “Existe um grande potencial de uso de áreas já abertas para a agricultura, hoje subutilizadas na forma de pastagens de baixa produtividade”, lembra o professor.
Texto: Rachel Costa e Roberto Amado
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