Regras mudam pouco. China e EUA, os maiores poluidores, não seguirão metas antes de 2020, e emergentes ainda não precisam aderir
“Histórica”. Essa foi a expressão usada por enviados de mais de 190 países à Conferência do Clima da ONU (COP-17) em Durban, na África do Sul, para definir a decisão tomada pelas partes no último domingo de prorrogar o Protocolo de Kyoto até 2017. Na prática, no entanto, estender o prazo de validade do documento, de acordo com especialistas, foi uma estratégia para ganhar tempo e não admitir que o acordo não cumpriu sua função.
Quando foi finalizado, em 1997, o protocolo propunha que os países industrializados reduzissem até 2012 os níveis de emissão de gases de efeito estufa (GEE) em seus territórios, chegando a um nível 5,2% menor do que aquele emitido em 1990. Passados 15 anos, nenhum país conseguiu cumprir a meta, o que faz cientistas e ambientalistas se perguntarem de que vale a renovação de um acordo que não foi respeitado até agora.
A recusa dos EUA em ratificar o protocolo, segundo especialistas, foi o que até agora tem sepultado qualquer esperança de que o documento cumpra seu fim. Em 1997, os norte-americanos eram os maiores poluidores do planeta, responsáveis por quase 50% das emissões. Hoje, perdem para a China, mas ainda respondem por 25% do total. Em Durban, o país aceitou negociar metas de redução, mas não antes de 2020, o que causa baixas, como no caso de Canadá, Rússia e Japão, que não vão renovar o compromisso.
“Os EUA pautam a ação dos demais países. Sem eles, fica praticamente impossível cumprir o acordo”, avalia a deputada federal e presidente do Partido Verde no Paraná Rosane Ferreira. Além da questão econômica – o Senado americano se recusa a ratificar o protocolo pelas restrições impostas à indústria –, grande parte dos senadores acredita que o aquecimento global é um fenômeno natural, não fruto da ação do homem.
Emergentes
Outra decepção que se esconde por trás da euforia dos delegados em Durban é o fato de que, pelo menos até 2017, os países emergentes continuam não sendo obrigados a cumprir as metas. Esse é outro passo importante para a credibilidade e eficácia do acordo, na opinião do físico e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Goldemberg, ex-secretário nacional de Ciência e Tecnologia.
Ele afirma que os países atualmente “se refugiam” atrás de uma resolução de 20 anos que já não traduz a realidade. “Um exemplo claro [da defasagem] é a China. Em 1992 ela não emitia quase nada, e hoje é o maior país emissor do mundo.” O Brasil, que não se encontrava entre os 40 maiores poluidores nos anos 90, hoje aparece em 12.º lugar no ranking de emissores de GEE.
Para Goldemberg, o Brasil não possui justificativas plausíveis para não aderir. Ele cita como exemplo o fato de São Paulo já ter dado um passo nesse sentido, com a aprovação de uma lei que determina que, até 2020, o estado precisa reduzir suas emissões a um nível 20% menor do que era emitido em 2005. O grande obstáculo é a falta de rigidez em relação ao desmatamento, responsável por 78% das emissões de gás carbônico na atmosfera do país, por meio de queimadas na mata – e alvo de crítica dos países industrializados.
Novo Código Florestal pode prejudicar esforços
A aprovação do novo Código Florestal é vista com ressalva por quem defende mais rígidez por parte do Protocolo de Kyoto. O professor da USP José Goldemberg afirma que caso seja acatada pela presidente Dilma Rousseff, a nova lei irá impactar negativamente nos índices brasileiros de emissão de gases de efeito estufa (GEE) e até mesmo comprometer a ajuda externa para financiamento de projetos sustentáveis.
O físico lembra que o desmatamento da Floresta Amazônica é hoje o fator que mais contribui para a emissão dos GEE na atmosfera, e que um dos pontos defendidos pelo novo código, a anistia a quem desmatou até junho de 2008, fará com que a vegetação derrubada não seja recuperada. Ela também pode influenciar futuros desmates. “Se o meu vizinho desmata e nada acontece, eu vou desmatar também, acreditando que daqui a 10 anos eu irei obter o perdão”, analisa.
A Floresta Amazônica é hoje um dos maiores sumidouros de CO² do planeta – as árvores, no processo de fotossíntese, retiram o gás da atmosfera e “devolvem” no ar o gás oxigênio, contribuindo para minimizar os efeitos do aquecimento global. O fato de o Brasil não avançar no combate ao desmatamento é, inclusive, motivo de críticas por parte das nações industrializadas que precisam cumprir as metas do protocolo.
A deputada pelo Partido Verde Rosane Ferreira afirma que o novo código é “o calcanhar de Aquiles” do país e pode esvaziar o discurso brasileiro na Conferência da ONU Rio+20 caso seja aprovado. Ela acredita, no entanto, que a presidente Dilma Rousseff vetará a nova lei. “Acompanhei a luta da Marina Silva (ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula) com a Dilma (então ministra de Minas e Energia) e tinha muitas reservas em relação a ela. Recentemente estive com ela [Dilma] e percebi que ela é uma pessoa muito sensível a essa questão. Ela está ciente da sua responsabilidade.”
O acordo
Entenda o Protocolo de Kyoto e as ações por ele propostas:
Histórico teve fracassos e renovação
- O que é – Acordo firmado por 88 países em 1997 em Kyoto, no Japão, com o objetivo de frear o aquecimento global. Determinava que os países industrializados reduzissem suas emissões de gases de efeito estufa na atmosfera a um nível 5,2% menor do que aquele existente em 1990.
- Quando entrou em vigor – As assinaturas começaram em 1997, mas para que entrasse em vigor era necessário que 55% dos países responsáveis por 55% das emissões mundiais o ratificassem, o que só ocorreu em 2005.
- Por que não vingou – O maior emissor do mundo na época, os Estados Unidos, não ratificou o acordo. Um protocolo só vira lei em um país após ser aprovado pelas casas legislativas locais, o que não ocorreu naquele país. Hoje, os EUA respondem por 25% das emissões, mas a China é o maior emissor do mundo, com 30%.
- Renovação – O protocolo foi prorrogado até 2017 no último dia 11, mas avalia-se que terá pouca eficácia, visto que Canadá, Rússia e Japão não irão renová-lo, e as metas de redução para os emergentes deverão ser obrigatórias apenas a partir de 2020.
Outras ações previstas pelo documento:
- Recursos – Promover e financiar o uso de fontes de energia renováveis, como a eólica, a solar, os biocombustíveis e a de biomassa;
- Sustentabilidade – Modernizar a infraestrutura de transportes e de energia dos países, tornando-as sustentáveis;
- Proteção – Proteger florestas e outras áreas ambientais que contibuem para retirar gás carbônico da atmosfera, os chamados “sumidouros de CO²”;
- Cooperação – Financiar e apoiar projetos e parceiras entre países para educação e cooperação, visando ao consumo racional e responsável;
- Lixo orgânico – Diminuir as emissões do gás metano presentes em depósitos de lixo orgânico.
Fonte: ONU/Convenção Quadro sobre a Mudança do Clima.
Flexibilidade
Menos rigor para emergentes
O professor de Ciências Florestais da Universidade Federal do Paraná Carlos Roberto Sanquetta, que esteve em Durban, defende que os emergentes sejam cobrados a cumprir metas, mas defende índices mais baixos e cumprimento gradual. “O prazo poderia ser de dez anos, com esses países cumprindo metas em torno de 2% nos primeiros anos, chegando a 5% na metade desse tempo e chegando a 20% no décimo ano.”
Segundo Sanquetta, uma prova de que o protocolo seria mais eficiente com a participação dos emergentes é o fato de que, desde 1990, embora os industrializados tenham deixado de emitir quase 900 milhões de toneladas, a concentração de CO² na atmosfera do planeta aumentou 39%. O metano aumentou em 158%, e o óxido nitroso, em 20%.
A justificativa para isso é justamente o crescimento da economia dos BRICs (Brasil, Rússia, China e Índia), que não querem oferecer uma contrapartida pelo aumento de suas riquezas, nem mudar seu sistema de produção. O Brasil vem cumprindo metas voluntariamente, mas a Índia oferece maior resistência, mais do que a própria China.
A explicação, de acordo com o professor, é de que, ao passo que o Brasil possui 15 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, e a China 150 milhões, a Índia possui 600 milhões, e não quer abrir mão do desenvolvimento. “E enquanto não houver um consenso entre eles, a tendência é de que os emergentes não sigam as metas.”
Fonte: Gazeta do Povo
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