quarta-feira, 27 de junho de 2012

Defesa Civil começa a preparar-se para mudanças do clima



País abençoado por Deus. O velho slogan, imortalizado na música de Jorge Ben Jor, até faz sentido quando sabemos que o Brasil não registra terremotos, tsunamis, grandes nevascas ou furacões. Mas o cenário de aquecimento global com eventos climáticos extremos, das secas prolongadas às chuvas mais intensas e frequentes, pode modificar a imagem do "país bonito por natureza".

O município de Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro, onde em janeiro do ano passado uma enxurrada de quatro horas causou mais de 900 mortes e prejuízo de R$ 1 bilhão, é prova disso. O lugar tornou-se laboratório vivo para o aprendizado sobre a convivência com riscos climáticos. "O desastre catalisou mudanças e uma nova visão nacional para se preparar e lidar com o problema", ressalta Luiz Guilherme dos Santos, superintendente operacional de Defesa Civil do Rio de Janeiro.

"Não dá para esperar por soluções de longo prazo, sendo estratégico trabalhar na prevenção e não somente na tragédia instalada", acrescentou Santos, durante expedição que reuniu em junho especialistas em catástrofes naturais da América Latina. O grupo visitou as regiões atingidas em Friburgo, após a troca de experiências durante seminário de três dias nas instalações da Rede de Desenvolvimento Humano (REDEH) - ONG brasileira que criou um centro de formação em resiliência em meio à Mata Atlântica da Baixada Fluminense, uma das áreas mais vulneráveis do Estado.

Na ocasião, Santos anunciou novas medidas preventivas contra acidentes. Além da capacitação já realizada com 3 mil moradores para operação de sistemas de alarme com sirenes que custaram R$ 6 milhões, o plano é criar 42 Unidades de Proteção Comunitária (UPC), seguindo o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) criadas pelo governo estadual para conter a violência nas favelas.

"O problema não é a chuva propriamente dita, mas a falta de percepção de risco pelos brasileiros", adverte Paulo Renato Vaz, diretor da Escola de Defesa Civil, lembrando que após a tragédia foram criados instrumentos legais que mudam o conceito de "defesa" para "proteção". A Lei Federal 12.608, de abril, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, obriga a inclusão do tema no currículo escolar do Ensino Fundamental. A diretiva atual prevê o planejamento participativo das ações, com engajamento e co-responsabilidade dos moradores. Apesar dos avanços, dizem os especialistas, permanece uma polêmica: a questão-chave é promover a convivência adequada com áreas de risco ou impedir a ocupação desordenada e retirar a população?

A questão-chave é promover a convivência adequada com áreas de risco ou impedir a ocupação desordenada?

"A maior catástrofe natural do país, ocorrida em Friburgo e arredores, não pode ser tratada como algo normal de um verão chuvoso", afirma Sarah Cartagena, coordenadora do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres, em Santa Catarina. "Ninguém estava preparado para o pior", lamenta a pesquisadora. Ela informa que apenas 2 mil dos mais de 5 mil municípios brasileiros têm sistemas de defesa civil, conforme obriga a nova legislação - e a maioria dos que foram criados existe apenas no papel.

Devido à demora do processo burocrático, recursos federais de socorro chegam muitas vezes após as ações de resposta aos desastres e acabam não utilizados. O governo está agora criando um sistema informatizado para o registro de desastres e repasse de verba, previsto para ser inicialmente testado no Rio de Janeiro e Minas Gerais.

"Estamos no limite da desgovernança", lamenta a deputada estadual Aspásia Camargo (PV-RJ), ao criticar a inércia para os casos de acidentes naturais e os problemas que atrasam as obras preventivas e de recuperação da área atingida em Friburgo e municípios vizinhos. "Existe solução técnica, mas falta vontade política", diz o engenheiro Adacto Ottoni, do Crea-RJ, autor dos relatórios de inspeção sobre a catástrofe na Região Serrana com recomendações que até hoje não foram cumpridas. "Dragagens isoladas, sem a execução de obras estruturantes permanentes, não resolvem o problema", adverte o engenheiro.

"A situação é preocupante e serve de exemplo para os países vizinhos", enfatiza Rubem Topete, diretor do Fundo de Desastres Naturais do México, durante visita de campo aos povoados de Friburgo. Ao seu lado, Sandra Amlang, coordenadora da campanha da ONU "Desenvolvendo Cidades Resilientes", observa os escombros à beira do rio no distrito Córrego Dantas, onde 70% dos moradores perderam suas casas. Até o momento nenhuma moradia em ruína foi demolida em razão de medidas judiciais contra o processo de indenização e relocação dos moradores pelo governo. Planeja-se construir na área um parque fluvial - obra embargada devido ao risco de provocar ainda mais assoreamento e prejudicar vilarejos rio abaixo em caso de nova enxurrada.

Fonte: Valor Econômico

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